CRIMINALIZAÇÃO DA INADIMPLÊNCIA TRIBUTÁRIA. PREOCUPANTE JULGADO.

Finalmente, após praticamente um ano de espera, foi publicado a íntegra do julgamento do Recurso Ordinário em Habeas Corpus nº 163.334/SC, ocorrido em 18/12/2019, que trata da “criminalização” ou não do simples inadimplemento tributário.

A discussão centrava-se na continuidade ou não da denúncia de crime contra a ordem tributária contra empresário catarinense, que havia deixado de recolher o ICMS (R$ 30.000,00 em 5 parcelas) diante da regra contida no inciso II (deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos), do artigo 2º da Lei nº 8.137/1990, que define os crimes contra a ordem tributária.

E, por maioria de votos, o STF modificou a sua jurisprudência, decidindo que o contribuinte que deixa de recolher o valor do ICMS cobrado do adquirente da mercadoria ou serviço apropria-se do valor do tributo, configurando-se o tipo penal do inciso II, do artigo 2º da Lei nº 8.137/1990.

Felizmente, após o julgamento, na fixação da tese, os Ministros, que haviam julgado em favor da configuração de crime, flexibilizaram o posicionamento, de modo que o dolo (intenção de praticar o crime) seja um elemento do tipo penal, fazendo assim com que somente a inadimplência sistemática, contumaz, para enriquecimento ilícito, lesar a concorrência ou para financiar as próprias atividades, seja considerada crime.

E constou na tese firmada que a caracterização do crime depende da demonstração de dolo de apropriação, a ser devidamente apurado, tais como: (i) o inadimplemento prolongado sem tentativa de regularização dos débitos; (ii) a venda de produtos abaixo do preço de custo; (iii) a criação de obstáculos à fiscalização; (iv) a utilização de laranjas no quadro societário; (v) a falta de tentativa de regularização dos débitos; (vi) o encerramento irregular das atividades; e (vii) a existência de débitos inscritos em dívida ativa em valor superior ao valor integralizado pelos sócios.

Vejam, portanto, a complexidade da discussão a respeito do não recolhimento de ICMS ou de Contribuições Sociais constantes no preço de mercadoria ou serviço que não são recolhidas ao Fisco, em que se nota um recrudescimento, por parte do Judiciário, com a, até então, simples inadimplência.

Ainda que a tese fixada condicione o crime à presença de dolo, os exemplos acima relacionados, que serviriam para caracterizar o dolo ou não, são muito comuns na atividade empresarial, e muitas vezes não guardam relação nenhuma com a intenção lesiva do empresário.

De qualquer forma, constou no julgamento, o que constitui posicionamento tranquilo do STF, que aquela dívida tributária discutida judicialmente seria impassível de ser considerada como inadimplemento punível pela Lei Contra a Ordem Tributária.

RATIFICAÇÕES DO STF RELATIVAMENTE AO ICMS (NÃO INTEGRAR A RECEITA/FATURAMENTO DA PESSOA JURÍDICA) E SUA APLICAÇÃO PARA OUTRAS DISCUSSÕES JUDICIAIS.

No julgamento (acórdão) recentemente publicado, em suas 210 laudas, pode-se verificar, através da leitura atenta dos votos dos Ministros que a mudança de posicionamento do STF foi fortemente influenciada pelos escândalos recentes, ou nem tanto, de corrupção (“mensalão” e “petróleo”) e o julgamento do Recurso Extraordinário nº 574.706 (Tema 69 da Repercussão Geral).

Por se tratar de discussão que estava relacionada ao não recolhimento do ICMS supostamente cobrado, pelo empresário, do consumidor final, o STF adotou o posicionamento do RE nº 574.706, no sentido de que o ICMS não configura receita/faturamento da pessoa jurídica, pois ingressa na contabilidade da pessoa jurídica de forma passageira, devendo ser repassado ao Fisco.

E por essa razão, tamanha a gravidade dos casos de corrupção, quando a pessoa jurídica não recolhe este tributo ao Fisco, ela está, no raciocínio do julgado do STF, se apropriando indevidamente de algo que não lhe pertence.

De qualquer forma, ao expressamente ratificar a correção de seu julgado e, principalmente, situar o ICMS na discussão, o STF, de uma certa forma, adianta o seu posicionamento, muitas e muitas vezes confirmado, em relação aos Embargos de Declaração apresentados no RE nº 574.706, de que o que realmente importa é o ICMS que foi incluído no preço da mercadoria ou serviço (faturado) e que o ICMS não pode integrar a receita do contribuinte de nenhuma forma.

E tal posicionamento, que se transformou em raciocínio de 7 dos 10 Ministros que votaram, também, indica claro posicionamento quanto as teses que questionam:

  1. a exclusão do ICMS da receita bruta no Lucro Presumido;
  2. a exclusão do ICMS na receita bruta para fins de recolhimento da Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta – CPRB.

 

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